A história de MC Miltinho, o funkeiro carioca de oito anos que está enfrentando os produtores do game GTA nos tribunais e conseguiu proibir a comercialização do jogo em todo o mundo
“Ninguém pode me derrubar, nem com
tiro de bazuca.” Quem vê Miltinho jogando o game Grand Theft Auto IV, mais
conhecido como GTA, olhos vidrados na tela, não imagina a batalha que sua
família trava nos tribunais contra os produtores do jogo. Aos oito anos de
idade, Milton Luiz Lourenço é a pedra no sapato da gigante americana Rockstar
Games, empresa que comercializa o game e faturou quase US$ 1 bilhão ano
passado. Isso porque os advogados do garoto conseguiram uma decisão judicial
que proíbe a venda de sua versão mais recente, A Balada do Tony Gay, não só no
Brasil, mas no mundo todo, por usar uma das músicas que ele interpreta sem
pagar direitos autorais.
O GTA é uma das séries de videogame
mais vendidas — e polêmicas — de todos os tempos. O quarto episódio, lançado
para Playstation 3, Xbox 360 e PC, já vendeu mais de 17 milhões de cópias.
Nele, o jogador vive um fora da lei, que é incentivado a roubar e matar para
atingir seus objetivos. Em uma das missões do jogo A Balada do Tony Gay, que
expande a história original do GTA IV, o personagem entra em uma casa noturna e
escuta uma música brasileira tocando ao fundo. É um trecho do funk Bota o
dedinho pro alto, cantada por Miltinho e composta por seu pai, Hamilton
Lourenço. Mas nenhum dos dois recebeu nenhum centavo pelo uso do batidão.
Quando consegue algum tempo livre
entre as aulas, os deveres de casa e as partidas de videogame e futebol com os
primos, Milton encarna o MC Miltinho. Em junho do ano passado, ele e o pai
foram até um estúdio no Rio de Janeiro e gravaram o funk que provocou toda a
confusão. Foi questão de meses até o refrão “Vem menina vem sem medo, que eu
vou te ensinar” começar a fazer sucesso nos bailes cariocas e em rádios do
Brasil inteiro. Os versos chamaram a atenção do DJ alemão Daniel Haaksman, um
dos responsáveis por levar o funk carioca para a Europa. Ele remixou a faixa e
a lançou pela gravadora Man Records com o nome Kid Konga. É essa versão
presente no game.
Foi só no começo deste ano que a
família de Miltinho ficou sabendo que sua música tocava nas pistas da Europa e
em um dos games mais vendidos do mundo. No começo, ficou bastante orgulhoso
pela fama repentina. “O problema foi quando fiquei sabendo que deveria ter
ganhado dinheiro com isso, mas não ganhei nada”, diz. E, agora, ele tem a
chance de reaver um dinheiro que pode mudar sua vida.
Vida de funkeiro Milton mora com a
mãe, Luana Monteiro, na periferia de Duque de Caxias, município ao sul da capital
fluminense, em uma casa simples, de dois quartos, sala e cozinha. Ela acabou de
passar por reformas, mas o quintal ainda precisa de uma mão, que não veio por
falta de dinheiro. Miltinho tem hora certa para fazer a lição de casa, ver TV e
jogar videogame. Bagunça mesmo, só na casa da avó. O menino comportado sai de
cena, no entanto, quando o assunto é a música. A fama de MC já percorreu toda a
vizinhança. Nas ruas, as pessoas pedem para que cante um trechinho de seus
sucessos.
A resposta vem de imediato: “Tá bom,
mas você vai pagar quanto?”. Apesar das brincadeiras, ele sempre faz
apresentações para os amiguinhos e faz questão de agradar os fãs. “Nas meninas,
eu dou um beijo e um abraço”, diz. A indiferença que o garoto nutre pelo
sucesso talvez venha do fato de não gostar de cantar por obrigação e já
demonstrar cansaço com o “estrelato”. Ser funkeiro não é seu objetivo de vida.
“Quero ser engenheiro civil e ganhar bastante dinheiro trabalhando em coisa
boa. Gosto de cantar só por farra.”
Até o começo do ano, Miltinho
estudava em uma escola particular localizada em um bairro próximo de sua casa,
mas teve que mudar para uma estadual por falta de dinheiro para as
mensalidades. Sente falta das aulas de inglês, língua que já começava a
dominar. Na terceira série da escola, a única reclamação das professoras vem do
fato do menino não gostar de anotar no caderno as matérias passadas em sala de
aula. “Mas ele guarda tudo na cabeça, como faz com os funks do pai”, diz a mãe,
Luana.
As duas
vidas de Miltinho: em um estúdio no Rio de Janeiro, Milton grava um novo
funk, sob a supervisão do pai. Quando não está envolvido com o mundo da
música, o garoto leva uma vida tranquila, com a mãe, numa casa simples na
periferia de Duque de Caxias
Ela se refere às músicas compostas por Hamilton,
um dos precursores do batidão no Rio de Janeiro. Conhecido no meio musical
como MC Batata, é responsável pelo famoso A Feira de Acari, um dos primeiros
funks a estourar nas paradas de sucesso, no começo nos anos 90. Chegou a
virar trilha sonora da novela Barriga de Aluguel, da TV Globo. Hoje, aos 50
anos de idade, Batata agencia outros músicos e organiza bailes funk. O
funkeiro das antigas trata Miltinho como o herdeiro de sua tradição musical.
Pai e filho moram em casas diferentes, e por isso acabam tendo uma relação
mais distante. Os momentos de maior sintonia ocorrem nos dias em que passam
juntos e, meio de brincadeiras, meio a sério, cantam e ensaiam novos hinos do
funk. O garoto gravou sua primeira música aos seis anos de idade. Hoje, já
tem oito músicas em seu repertório. Além do funk do dedinho, lançou O
Pica-Pau e Ih, Tá Maneiro.
Mas a família nunca ganhou dinheiro com os
sucessos do filho. “Nunca foi essa minha intenção. Além disso, por conta da
idade, ele não pode cantar em bailes funk”, diz o pai. Acompanhamos a
gravação da nova música do MC Miltinho: Força, Fé e União, no Rio de Janeiro.
“Essa música vai estourar”, diz Batata. “Vou colocar pra estrear no programa
de rádio do DJ Marlboro.” Com o pai do lado, ditando trechos da música e
explicando algumas variações do tom, Miltinho assume o papel de MC: “Nossa
força vem, vem do coração, sou apenas mais um pobre querendo ganhar meu pão”.
A força que vem da grana No processo judicial
movido contra a Rockstar, a família pede uma indenização no valor de R$ 500
mil, por conta dos direitos autorais, danos morais e materiais. O que Milton
faria se ganhasse toda essa bolada? “Ia gastar dinheiro!”, diz Miltinho, com
cifrões nos olhos. A mãe é mais precavida: “Vamos mudar de bairro, ir pra um
que tenha melhor infraestrutura. Vou poder pagar uma escola melhor pro
Miltinho, além de bancar cursos que ele sempre quis fazer, como de violão e
futebol. Mas ainda não sabemos quando e nem quanto dinheiro virá”.
O caso ainda está longe do final. Antes de entrar
na justiça, os advogados de Hamilton contataram a Rockstar. “A gente tentou
negociar com eles durante três meses. Mas eles falaram que tinham uma
autorização assinada para usar a música”, diz Thiago Jabur, um dos advogados
da família. O documento apresentado vinha em nome da Man Records, a gravadora
que lançou a música na Europa. Ele cedia ao produtor Daniel Haaksman todos os
direitos sobre a música e trazia a assinatura do pai de Miltinho. “Mas eu
nunca assinei nada”, diz Hamilton.
“As assinaturas eram falsificadas, não
correspondiam com nenhum documento pessoal do Hamilton”, diz o advogado. De
fato, na assinatura, o nome está escrito sem o H: Amilton. No dia 14 de
outubro a 3ª Vara Civil de Barueri expediu uma liminar que obriga a Rockstar
Games e a Synergex, que distribui o game no Brasil, a retirar o jogo das
lojas. Procurada, a empresa americana afirma que não irá se pronunciar pois
ainda não foi notificada da decisão.
Como Brasil e Estados Unidos são signatários de
tratados internacionais sobre direitos autorais, a ordem pode ter valor em
solo americano. “Se chegarmos a um acordo, o jogo poderá voltar a ser
distribuído normalmente”, diz Thiago. É tudo o que Miltinho quer: poder jogar
seu GTA em paz, sabendo que, cada vez que ouvir sua voz, uma moedinha cai na
sua conta.
A musica:
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A musica no GTA 4:
Fonte: Cantinho da Brisa